Sonho

Estávamos os dois sentados numa cama de solteiro, cercados de outras camas e sofás ocupados por amigos que, de fato, não conheço. No alto, num daqueles suportes metálicos pintados de preto, uma televisão passava um desenho animado, cujo enredo não me lembro direito. Mas era um desenho adulto. Uma criança brincava pelo cômodo, ora entrava, ora saía, ora falava conosco, ora permanecia calada, sentada ao nosso lado.

Enquanto todos prestavam atenção à película, limitando-se apenas a alguns comentários sobre esta, conversávamos baixinho para não atrapalhar os ávidos telespectadores. Falávamos sobre nós. Ao mesmo tempo que sou incapaz de me lembrar uma única palavra dita, lembro-me perfeitamente do contexto da conversa: eu me declarava a você, tentando convencê-la de que devíamos ficar juntos. Porém, você declinava. Por alguma razão que nem você mesma sabia explicar, acreditava que não era o momento de nos unirmos. Mas você também deixava claro que sentia algo por mim.

Tentando dissuadi-la de que seria errado o nosso enlace, como você acreditava, esvaí-me em argumentos quase vãos. Embora aquela situação não gerasse embates, tampouco desconforto, acabei por conformar-me. Continuamos, lado a lado, como bons amigos que sempre fomos e recostei-me levemente sobre o seu ombro, enquanto refletia.

De repente, você começou a mordiscar-me a orelha, num carinho indefinível. No primeiro momento, assustei-me, mas permiti que o inusitado fluísse naturalmente. Até que fui me erguendo e meu rosto emparelhou-se com o seu. Nossos narizes quase se tocavam quando você me arrebatou um beijo lânguido e passional.

Foi quando minha mente começou a me pregar peças. Como eu não acreditasse naquela tão nítida realidade, tentou convencer-me de que eu estava fora de mim e aquele acontecimento era simplesmente impossível. Então, eu fazia esforço enorme para acordar, receoso de que a crença naquilo me causasse enorme decepção se eu despertasse acreditando que aquele “fato” era verdade. Por outro lado, a nitidez dos sentidos fazia-me crer que efetivamente estávamos ali, nos beijando efusivamente, alimentando o ritmo acelerado dos nossos corações descompassados, mas quase sincronizados.

O impasse durou poucos e eternos segundos, um tempo que jamais serei capaz de calcular. Claramente, razão e emoção travavam, em meu cérebro, um embate nunca antes experimentado por mim. Ora eu acreditava na veracidade do acontecimento, ora acreditava estar completamente enganado quanto ao rumo de nossos destinos.

Venceu a suposta razão. Despertei, menos decepcionado, mas decepcionado. Questionei-me durante longos minutos, ainda na cama. E durante todo o dia, aqueles acontecimentos me perturbaram a mente. E continuam perturbando. E cada vez que me lembro, lamento profundamente que não tenha sido verdade.

Belo Horizonte, 14 (9) de novembro de 2004 – 22:51.

Marcos Arthur Escrito por:

Inquieto. Curioso. Companheiro da Marina e pai do Otto. Ultramaratonista. Facilitador de aprendizagem. Sócio-fundador na 42formas. Escritor amador. Eterno aprendiz.

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