7 coisas que muitas empresas dizem – mas nem sempre é verdade

Desde já, fica o convite para a reflexão. A ideia aqui não é jogar pedras, tampouco desmerecer qualquer organização, mas é preciso colocar o dedo em certas feridas para que possamos pensar sobre os ambientes de trabalho que desejamos para o futuro. Afinal, somos nós (sim, eu me incluo) que, por descuido ou automatismo, repetimos constantemente o que reza o universo corporativo, frequentemente sem colocar a mão na consciência. É não só importante, mas também urgente repensar as empresas que queremos ajudar a construir.

Dito isso, vamos lá.

1. “Aqui, tratamos as pessoas como prioridade.”

Em quase 25 anos de estrada corporativa, perdi a conta do número de vezes que ouvi essa frase. Ora, que as pessoas deveriam ser prioridade em qualquer lugar, não há dúvida. E ouso dizer que, exceto nas organizações em que os donos ou acionistas as enxergam deliberadamente como números, existe um desejo genuíno por parte de muitas lideranças que isso seja verdade. Mas é importante entender que entre o desejo e a efetivação de algo, há um longo caminho a ser percorrido.

Aproximadamente 85% dos funcionários em todo o mundo ainda não estão engajados ou estão ativamente desengajados no trabalho, apesar do maior esforço das empresas.

Gallup, 2020

De maneira bem simples, para que as pessoas sejam realmente prioridade, é preciso, antes de tudo, ouvi-las para muito além das antiquadas “caixas de sugestões”. Tem que haver escuta ativa independente do nível hierárquico e é fundamental levar em consideração o que está sendo dito para implementar ações e políticas que as contemplem de forma efetiva. Vale lembrar que cada profissional que representa uma empresa nos mais variados contextos pode fazer isso de forma entusiástica, indiferente ou detratora. E não é de hoje que as pesquisas da Gallup alertam sobre a falta de engajamento.

Sugestão: em vez de esperar que as pessoas sejam assimiladas pela cultura organizacional, permita que elas ajudem a construí-la. Isso, sim, criará o verdadeiro sentimento de pertencimento que as organizações tanto querem.

2. “Queremos um projeto inovador!” (Para não dizer “disruptivo”.)

Quem não quer? Mais uma vez, cabe destacar a distância entre o desejo e a realização. Trabalho com educação e aprendizagem nas organizações há cerca de 14 anos, grande parte desse tempo fazendo projetos personalizados. Isso me rendeu a oportunidade de participar de centenas de reuniões de briefing em que ouvi a frase que encabeça esse tópico. Porém na maioria das vezes a inovação foi tratada de forma imprudente, como se fosse fácil não só criar algo novo e diferente, mas também convencer o público (direto e indireto) do valor que esse algo tem.

Curva de adoção da inovação

Embora não seja fácil, é essencial. A inovação é um dos motores do desenvolvimento humano e organizacional, mas antes de estar nas prateleiras, precisa passar pelo real processo de disrupção, isto é, romper as barreiras da resistência por parte de quem diz desejá-la mas receia fracassar. Muitas vezes, ao receber uma proposta de fato inovadora, as pessoas recuam dizendo que “o público não está preparado para isso”. Não é à toa que a curva de adoção da inovação coloca os inovadores (2,5%) e os primeiros adeptos (13,5%) bem no início da subida, antes do abismo que os separa da maioria e dos retardatários ao longo do tempo.

Sugestão: promova tolerância, ou melhor, encorajamento ativo de erros produtivos. Abra espaço para testar propostas (internas e externas) que à primeira vista parecem “inovadoras demais”. Você pode se surpreender.

3. “Ah, mas as pessoas não têm maturidade…”

…para quê? Essa frase vem acompanhada por vários complementos que vão desde “as pessoas não têm maturidade” para saber determinada informação até “as pessoas não têm maturidade” para assumir certa responsabilidade. Isso pode até ser verdade em alguns casos, o problema é que a afirmação carrega uma dose cavalar de julgamento, geralmente feita de cima para baixo. Eu pergunto: será que a liderança tem maturidade para fazer esse tipo de questionamento? Avaliar a maturidade das pessoas sem conhecê-las adequadamente e sem colocar na conta fatos e dados pode ser perigoso e causar inúmeras injustiças.

Pensemos: se as pessoas têm maturidade para ter casas, pagar contas, se casar, criar filhos e cuidar de diversos aspectos da sua própria vida, por que não a teriam para questões relacionadas ao trabalho? É preciso colocar em xeque certas formas de pensar convencionadas pelo lugar-comum. Do contrário, colocamos em xeque a nossa própria capacidade de trabalhar em equipe, tratar as pessoas como prioridade e evoluir como organizações. Pois bem, se há quem duvide, há também quem acredite que maturidade nunca foi tão fácil. Eu sou uma delas.

Sugestão: confie. Procure dar às pessoas autonomia e oportunidades de provarem a si mesmas. Sem confiança, não há empoderamento, e isso prejudica, a médio-longo prazo, tanto o engajamento quanto a produtividade.

4. “É pra ontem!”

Quem nunca ouviu isso no trabalho atire a primeira pedra. Eu seguramente posso dizer que na maior parte das vezes em que ouvi ou não era verdade ou era meia verdade. O primeiro caso é mais grave, porque geralmente carrega a intenção de apressar desnecessariamente uma entrega, seja qual for o motivo. O segundo, embora menos grave, é fruto de um vício corporativo que insiste em dizer que “tudo é pra ontem” sem que haja antes uma reflexão sobre a real urgência daquilo. Muitas vezes, é urgente simplesmente porque alguém quer uma entrega rápida, sem que isso esteja atrelado a um sentido – ou o sentido é volátil e pode mudar em dois tempos.

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“É pra ontem” até que não seja. Quantas vezes não vimos um projeto “urgente” se arrastar por meses ou anos? Muda-se o objetivo do projeto, altera-se a data do evento… E continua sendo “pra ontem”, não importa quantos “amanhãs” tenham passado. Talvez por isso Jeff Sutherland, inventor do Scrum, tenha dito em seu livro original sobre o método ter visto inúmeros cronogramas em cascata falharem. Talvez por isso tenha proposto uma outra forma de fazer. Mas ainda seguimos presos aos nossos velhos hábitos.

Sugestão: você também já deve ter ouvido que “urgente é diferente de importante”. Avalie criteriosamente em que categoria o seu projeto se enquadra para dar a devida atenção a ele.

5. “Somos uma empresa transparente.”

Transparência é transparência e não existe uma parcial nesse conceito. Uma organização verdadeiramente transparente não tem nada a ocultar interna ou externamente, exceto se por sigilo judicial. Isso reduz as empresas transparentes a um número extremamente pequeno e é preciso reconhecer isso, por mais duro que pareça. É importante ressaltar que uma instituição ainda pode ser honesta e idônea, mesmo preferindo ocultar certos tipos de informações por questões que considera estratégicas – afinal, nem todo o mundo quer contar seus segredos.

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É possível ver “transparência” como valor em um sem número de empresas que são, no máximo, translúcidas, e mesmo em organizações opacas. Que não me levem a mal, sei que o termo é usado em muitos casos com a melhor das intenções – geralmente como sinônimo para “integridade” ou “honestidade”. Fica a sugestão para a troca, mas também uma pergunta reflexiva: falando em fatos e dados, o que a sua empresa ganha ao não ser totalmente transparente? E o que ganharia se fosse?

Sugestão: tenha consciência do real significado da palavra “transparência” para não usá-la de forma leviana. Então, caso ela faça realmente sentido, procure colocá-la em prática com convicção. É mais difícil do que parece.

6. [Para um fornecedor] “Vamos fazer/Temos uma parceria.”

Se a sua empresa realmente faz parcerias com fornecedores, parabéns! Eu conheço algumas. Infelizmente, em várias experiências que tive trabalhando como prestador de serviços (tanto como freelancer quanto como representante de empresas fornecedoras), vi essa palavra ser empregada de forma inadequada. É comum uma organização dizer “parceria” e tratar um fornecedor como… fornecedor. Não que isso seja um problema ou que esse tratamento seja ruim (pode ser ótimo, se respeitoso). Mas é preciso dar o nome correto aos bois.

Especialmente no Brasil, a máxima “o cliente tem sempre razão”, ainda que não dita ipsis litteris, é usada como pretexto para colocar prestadores e prestadoras de serviço “no seu devido lugar”, o que muitas vezes significa sujeitá-lo a um tratamento injusto e arbitrário. Em nome da “parceria”, pede-se que pessoas e equipes virem noites, entreguem além do escopo previamente acordado e até mesmo se sujeitem a quebras unilaterais de contratos sem ônus para a contratante. Eu mesmo não só vi como já vivi situações de todos os tipos. Felizmente, existem clientes e clientes e também tive várias oportunidades de trabalhar com organizações honradas e compreensivas.

Sugestão: antes de tudo, estabeleça honestamente os termos de uma relação – parceria ou prestação de serviços. E, independente do estabelecido, trate a outra parte como você gostaria de ser tratado ou tratada.

7. [Para um fornecedor] “Não temos dinheiro.”

Um clássico. Quem já apresentou orçamentos, seja internamente para uma liderança que os aprova ou para uma empresa cliente, sabe bem. Em todo o meu tempo de consultoria, raramente ouvi o contrário. O mais comum é ser exigente com a qualidade desde o briefing inicial e já alertar para o baixo orçamento. Em um mundo cuja prioridade é o resultado, é “fazer mais com menos”, torna-se legítimo iniciar a negociação antes mesmo de receber uma proposta. Porém é justo? Eu penso que não, principalmente tendo visto organizações se recusarem a contratar bons serviços por valores condizentes e, no dia seguinte, pagarem três, quatro, cinco, dez vezes o mesmo valor por um trabalho similar.

Naturalmente, as empresas têm total direito de decidir para onde vão seus recursos. Mais uma vez, o problema aqui esbarra nos vícios do universo corporativo e, muitas vezes, na falta de transparência. Além disso, é preciso trabalhar na escassez mesmo quando ela não existe? Cabe rever essa mentalidade e atuar com base em acordos realmente justos para todas as partes. Só assim conseguiremos alcançar o equilíbrio proposto pelo tripé da sustentabilidade, imprescindível para a evolução da humanidade como tal.

Sugestão: busque conhecer o real valor do trabalho que você está contratando. Converse abertamente com seus fornecedores e faça uma negociação baseada em valores além dos financeiros.

Se pudéssemos mudar a nós mesmos, as tendências do mundo também mudariam. À medida que um homem muda sua própria natureza, também a atitude do mundo em direção a ele muda. Este é o mistério divino supremo. É uma coisa maravilhosa e a fonte da felicidade. Não precisamos esperar para ver o que os outros fazem.

Mahatma Gandhi

Mudar é difícil, mas necessário. Provavelmente, ainda veremos e ouviremos muitas dessas sentenças nas empresas onde trabalhamos – ou para as quais trabalhamos. Arrisco a dizer que, várias vezes, seremos nós mesmos a dizê-las, por hábito ou constrangimento. Daí o convite para pensar no quanto elas de fato nos representam ou fazem sentido para nós. É preciso nos conscientizarmos para fazer diferente e iniciar a transformação que fará das organizações lugares melhores e mais humanos. Mais do que simples frases, estamos falando de mentalidade. E o mundo corporativo precisa evoluir.

E você, o que costuma ouvir no trabalho que nem sempre é verdade? Conta pra mim!

Marcos Arthur Escrito por:

Inquieto. Curioso. Companheiro da Marina e pai do Otto. Ultramaratonista. Facilitador de aprendizagem. Sócio-fundador na 42formas. Escritor amador. Eterno aprendiz.

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